segunda-feira, junho 23, 2008

carta de amor...



O acto de escrever. As palavras. Escrevo a prolongar o tempo. Como se desta forma estivéssemos mais próximos. Escrevo-te uma carta que quero longa, prolongada, imensa. A adiar a separação. A adiar as saudades. A dar-te noticias. A falar-te de tudo e de nada. De coisas inúteis. Como se o acto de leres nos mantivesse juntos de novo. A fingir que estás comigo sentada na esplanada a ver o mar, e o vento. São as palavras. E o sol é o calor que sentimos. E o brilho da água reflectido é o brilho do nosso olhar. E as nuvens brancas são o algodão doce dos sonhos da infância. A fingir, o acto de escrever. As palavras a ti outra vez. Mais uma vez. As vezes que forem precisas enquanto me sentir vazio de ti e a querer-te. A imaginar-te. Escrevo sempre para ti. Um amor antigo. Inexistente já. A perdurar como perdura a primeira vez. Os teus lábios nos meus. A tua mão encerrada na minha mão. O calor da tua perna colada na minha perna. O teu sorriso abraçado ao meu sorriso. A tua língua tímida a fugir da minha ousada, e depois tu, plena, vibrante, em tremuras a enleares-te em mim, a respirares-me como se respira a vida de uma golfada, e eu ousado a dizer-te que te desejo, a desnudar-te a alma com o olhar, a desabotoar-te a blusa. Lentamente. Botão a botão. A imaginar os seios fartos prontos a saltarem livres ao toque de seda. A tua pele perfumada. Macia, branca, pura. Eu ávido de ti a fechar os olhos. A percorrer-te com a minha língua atrevida. Tu a gemeres de prazer novo. As tuas mãos a agarrarem-me os cabelos a conduzirem-me. A língua a ir. As tuas pernas a afastarem-se. Tu a revelares-te em gemidos longos. Baixinho. De gata no cio. Eu a provar-te. Tu a revelares-te um vulcão incendiado. As tuas mãos a guiarem-me, a insistirem para que não pare de rodopiar a língua. Tu húmida de desejo. Eu excitado. Quase amor. Tu a ofereceres-me, eu a entrar em ti esfomeado sedento, ofegante, quase amor. Fazemos amor. Foi amor que fizemos, foi amor que demos um ao outro. Cansados a prolongar o tempo. Esta carta a imaginar-te outra vez. A desejar-te outra vez. Sempre. Para sempre. Demasiado. A prolongar o tempo esta carta para que demores a ir. A despedida que custa. Escrevo-te uma carta que quero longa. Que eu queria longa e já não consigo. A falar-te de tudo e de nada. É o nada imenso e esta desolação, esta aridez no peito a crescer, este deserto de areia seca onde procuro as tuas pegadas de um dia. A dizer-te esta carta. Esta tentativa de carta. Só palavras. Só palavras vazias, cheias de intenção. Cheias de querer ainda. Tu a gemeres baixinho, eu a entrar em ti. As tuas mãos a agarrarem-me, a enlaçarem-me as costas, eu a beijar-te a boca. Os lábios pequeninos. Vermelhos. Foi o tempo das cerejas. Eu a beijar-te os seios. Os bicos hirtos excitados. Foi o tempo da paixão. Mel. Eras o mel onde eu poisava em busca do néctar. Eras a flor perfumada a exalar cheiro. A pele branca macia espécie de seda pura. Foi amor que fizemos. Chamemos-lhe amor, a esta falta que sinto tua ainda. Sempre. Para sempre. Demasiado tempo. E depois saímos á rua a passear de mãos dadas. De corpos abraçados. De almas juntas, aninhadas uma na outra, redondas, a fecharem o círculo. Éramos almas redondas, eu em ti, tu em mim. Os olhos brilhantes. O sol a luzir. O vento nos teus cabelos a acariciar-te a face, eu ciumento a querer ser vento na tua face. As palavras a ti em forma de carta de amor sem o conseguir já. A jurar-te amor, a prometer-te amor. É amor ainda, para sempre. Amor. Amor verdadeiro. Amor fecundo. Amor curtido no tempo exposto ao sol e ao vento. Amor gelado no Inverno. Amor florido na Primavera. Amor desnudo no calor do verão. E esta carta com o propósito de te dar noticias. As palavras escassas, rápidas, a lerem-se de uma olhada. Tão breves. Tão leves. E eu a querer que fossem longas, pesadas, cheias, difíceis demoradas. A tua boca. A fonte dos meus desejos. Os teus lábios. O sabor das cerejas que um dia colhemos. O teu olhar. Fazíamos amor com o olhar como só os amantes eternos sabem fazer. Amor. Fazíamos amor com as palavras até. Tu a ofereceres-me o teu sexo quente de desejo. Eu a entrar em ti a satisfazer-te o desejo. A dizer-te baixinho ao ouvido que te amava. Que era para toda a vida. Para sempre. Tu a gemeres de prazer. A tua boca a entrar sôfrega na minha boca. A minha língua a brincar aos esconde esconde com a tua língua. Os teus seios quentes a acariciarem-me o peito pleno. Eu a respirar profundamente a absorver-te em cada poro da minha pele. A ser teu. Tu a seres minha. Era amor que fazíamos. Era amor que sentíamos. Seria amor, chamemos-lhe assim. Eu a abraçar-te. Tu a deixares que eu te abraçasse. Tu a dormir saciada. Eu a olhar-te no silêncio da noite. Pela noite dentro a guardar-te em mim como se guarda um segredo. Como se guarda uma jóia como se guarda o amor. Era amor que sentíamos. É uma carta de amor sem amor nenhum!

João marinheiro 2008
Fotografia de Nuri www.olhares.com

9 comentários:

Som do Silêncio disse...

Que posso eu dizer perante tal texto?
Sublime é pouco
Fantástico soa-me a pouco
Lindo...

Beijo terno

sofialisboa disse...

fiquei sem saber o que dizer...sofialisboa

Unknown disse...

Qualquer palavra minha
diante deste texto artístico
seria excesso ao ponto que o finda!
Parabéns João...

Abraço intenso

Iveta disse...

Linda esta carta. Imenso o amor.
Almas gémeas, amor sem fim... como pode haver despedida?! apenas até logo!
Beijo

Julieta disse...

Todas as palavras são inutéis depois desta carta...

LINDA!!

Beijinhos

Bichinho disse...

Arrepiante...beijo fantasma.

Ly disse...

Um sussurro...

abelhaferrona disse...

Lindo. Pode existir alguém, pode não haver ninguem, mas seja para quem for esta carta é o que todas ou quase todas as mulheres desejariam um dia receber. Que prova de amor é preciso mais????
Abelhaferrona

abelhaferrona disse...

É engraçado não responder a um comentário, se não fosse um blogue tão lindo, tão doce, não comentaria, mas é mais forte do que eu. Mas também que raio de comentários queria eu aos meus comentários????? tem razão.
Um favo de mel
Ana

joão marinheiro

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