…Permanecemos aqui neste quarto onde a escuridão é eterna claridade. Fora deste lugar nunca viste o mar.
Mas tudo isto se passou noutro tempo, noutro lugar, e a tua boca deixava na minha um travo de asas salgadas…
…Cansei-me de te sonhar. Cansei-me do sangue e da chuva, da memória dessas rotas difíceis.
Donde te escrevo apenas uma parte de mim não partiu.
Encosto a alma à quilha do navio. Deixo-me ir no vaivém das marés. Da fala. A noite singra a pele. E tu escondias a cara num pano branco e quando fitavas as mãos eu sentia medo de um deus.
Nenhum de nós sabia se o sonho, ou a morte, nos conduziria a algum porto de felicidade.
Não me lembro o que aconteceu a seguir.
A noite deixava-se habitar por um silêncio escorregadio.
Veio-me então ao pensamento o grande porto do sul onde aportaras e dizias ter sido feliz.
Quando te digo que vou de novo partir, perguntas-me: morre-se porquê?
Caminhamos em direcções opostas, caminhamos sem destino pela cidade.
Caminhamos neste espaço de penumbras e de incertezas – onde a fala já não cintila e as palavras são de cinza.
E no meio deste silencio uma ideia de voz, uma treva agarrada à memória.
Foi então que dei por mim a existir para lá da tua morte, como se asfixiasse, mas o passado não é senão um sonho, uma brincadeira com clepsidras avariadas e algum sangue.
Não valer a pena estar triste
Todas as histórias, todas as mortes acabam por se apagar.
Um barco tremeluz nas cortinas do quarto.
O horizonte é negro. A luz do dia extinguiu-se subitamente.
As mãos com que te toco, luminoso afogado, não são verdadeiras nem reais – porque o tempo todo talvez esteja onde existimos. Embora saibamos que nesse lugar nunca houve tempo nenhum…
Al Berto, O último Coração do Sonho
Mas tudo isto se passou noutro tempo, noutro lugar, e a tua boca deixava na minha um travo de asas salgadas…
…Cansei-me de te sonhar. Cansei-me do sangue e da chuva, da memória dessas rotas difíceis.
Donde te escrevo apenas uma parte de mim não partiu.
Encosto a alma à quilha do navio. Deixo-me ir no vaivém das marés. Da fala. A noite singra a pele. E tu escondias a cara num pano branco e quando fitavas as mãos eu sentia medo de um deus.
Nenhum de nós sabia se o sonho, ou a morte, nos conduziria a algum porto de felicidade.
Não me lembro o que aconteceu a seguir.
A noite deixava-se habitar por um silêncio escorregadio.
Veio-me então ao pensamento o grande porto do sul onde aportaras e dizias ter sido feliz.
Quando te digo que vou de novo partir, perguntas-me: morre-se porquê?
Caminhamos em direcções opostas, caminhamos sem destino pela cidade.
Caminhamos neste espaço de penumbras e de incertezas – onde a fala já não cintila e as palavras são de cinza.
E no meio deste silencio uma ideia de voz, uma treva agarrada à memória.
Foi então que dei por mim a existir para lá da tua morte, como se asfixiasse, mas o passado não é senão um sonho, uma brincadeira com clepsidras avariadas e algum sangue.
Não valer a pena estar triste
Todas as histórias, todas as mortes acabam por se apagar.
Um barco tremeluz nas cortinas do quarto.
O horizonte é negro. A luz do dia extinguiu-se subitamente.
As mãos com que te toco, luminoso afogado, não são verdadeiras nem reais – porque o tempo todo talvez esteja onde existimos. Embora saibamos que nesse lugar nunca houve tempo nenhum…
Al Berto, O último Coração do Sonho
Desenho Google
2 comentários:
Al Berto, um porte Grande, que partiu antes de tempo...
... do meu tempo...
além de o adorar também, o desenho é deliciosamente bem explicito; gostava de o ter aqui na minha parede.
Enviar um comentário